4 de abril de 2008

O dia em que mamãe morreu, mas não foi

(ou como não apurar os fatos pode causar um grande transtorno)

Final dos anos 70. Já morando em São Paulo, mamãe, então solteira, resolve passar uns dias de descanso em uma terra-natal, Bocaiúva (MG). Horas de ônibus através de estradas ainda mais perigosas do que hoje, ela finalmente chega à cidade.

Feitos os cumprimentos iniciais com a família, mamãe deixa o cansaço de lado, larga a bagagem na casa da avó dela (vulgo minha bisavó) e vai se encontrar com os amigos. Andando pela cidade, encontra um grupo conhecido de três rapazes e uma moça. Por coincidência, as duas estão com um macacãozinho azul bastante semelhante, que era moda na época. O cabelo das duas também não está tão diferente. Enfim, eram quase um par de vasos.

Os quatro a convidam para ir dentro de alguns minutos a uma festa numa cidade próxima, mas mamãe nega, pois, apesar da animação, não é fácil você encarar cerca de 13 horas de viagem sacolejante e ir para a balada logo em seguida. Na volta para a casa da avó, ela se encontra com uma prima do outro lado da família. Como a menina estaria se dirigindo para Belo Horizonte no dia seguinte, a convida para passar a noite na casa dela, conversando.

Sem pestanejar, mamãe aceita, mas não avisa ninguém da família (ai se sou eu quem faço isso...). Só que por um destes acontecimentos macabros da vida, aqueles quatro amigos da balada bateram o carro na volta e todos morreram - para piorar, o rosto da moça ficou desfigurado. Fato é que a notícia se espalhou rápido logo cedo, mas a história dava conta de que a minha mãe é quem tinha falecido.

Enquanto isto, mamãe dormia tranquilamente depois de uma noite de boa conversa com a prima. Quando finalmente resolveu ir embora, se deparou com a vizinha da casa da frente, que ao invés de a cumprimentar, a olhou de um jeito assustado, fez o sinal-da-cruz e entrou rapidamente dentro de casa. Chegando na casa da avó, estava toda a família arrasada. Um dos tios, inclusive, chorava copiosamente debaixo da coberta.

A felicidade, claro, foi sem tamanho, mas o complicado era convencer a família da verdadeira falecida sobre o que realmente tinha ocorrido. Nunca aquele ditado "sorte de uns, azar de outros" foi tão cruel em Bocaiúva. Confusão desfeita, ainda havia um problema: o pai e os irmãos de mamãe, que também moravam em São Paulo, já estavam desesperadamente na estrada a caminho de Bocaiúva. E naquela época mal a população tinha acesso a telefone. Celular então era coisa dos Jetsons.

Horas depois, os três estacionam o Fusquinha em Bocaiúva e ao chegar em casa se deparam com mamãe no quintal chupando manga. Um deles ainda teve tempo de falar: "Ué, pai, fantasma chupa manga?". E foi assim que eles descobriram que percorreram mil quilômetros à toa.

6 comentários:

Anônimo disse...

Pô, sua mãe é muito gente boa! Adorei conhecê-la no dia da sua banca. Mande um beijão!

Felipe Held disse...

Hahahahahahahahaha! Sensacional a história, Carol!

O único ruim foi o tempo que ela levou pra ser postada. Mas eu te entendo. :)

Ah, e mande mais um beijo pra sua mãe. Mesmo ela achando que eu não tenho mais idade pra ser estagiário.

Anônimo disse...

Essa história te traumatizou?

Sempre que a minha mãe quer me deixar co mpso na consciência, ela me conta da (única) vez que saiu sem avisar os pais... Ela morava no Brás e o namorado de uma amiga resolveu pegar toda a molecada para dar uma volta de carro.

Quando eles estavam voltando (sempre é assim), bateram o carro. Nada que não pudesse ser consertado com alguns pontos e curativos. Mas e o susto dos meus avós?

Hoje, a história é uma maravilhosa peça de chantagem familiar. Por via das dúvidas, não saio sem avisar!

Camila Dayan disse...

Muito bom. Isso parece seriado ou desenho animado. vai ver é coisa do destino, rs

Escreva mais histórias, eu me divirto com elas

Beijo D'propositado

Anônimo disse...

Meu, se não fosse trágica, seria cômica a história.

Nunca sei se dou risada ou se me assusto com essas histórias. Sempre dá um incômodo, sabe?

Carolina Maria, a Canossa disse...

Dumuro -Nem...

Fábio -Minha mãe também adorou você e a Tha. E, claro, está mandando um beijo para os dois.

Held (o estagiário com cara de repórter)-Tentarei escrever com mais frequência. E sinto que as coisas vão melhorar.

Monte -Lógico que eu sou seriamente traumatizada com isto. Mas, besta que sou, nunca tinha nem pensado nesta hipótese. Obrigado por me avisar!

C. Dayan- Sim, minha vida tem traços surreais que até eu duvido. Beijo!

Mané -Eu também sinto um incômodo, tanto que demorei meses para postar esta história. Mas, no final, não resisti.