E então você pensa que depois de terminar quase tudo o que você tinha que terminar no ano, finalmente vai parar de se estressar e tomar involuntariamente atitudes bizarras.
Mas o mundo não é assim.
Dois minutos antes de você sair de casa com previsão de volta somente para a noite, Margarida, sua diarista, avisa que vai dar uma rápida saída para levar a filha da vizinha – também cliente dela – até o ônibus escolar. Até aí, nada demais.
Obviamente, ela não cumpre esta tarefa em dois minutos, o que significa que você não a vê antes de se retirar. Roupa lavando, móveis fora do lugar e rádio ligado. A porta é trancada. Antes, você passa no apartamento de uma terceira vizinha para lhe devolver um livro.
Devolve e vai embora. Passa pela portaria e Margarida não está lá com a criança (Manu). Provavelmente ainda teve que terminar de arrumar a menina. Enquanto isso, os outros habitantes da casa encontram-se simplesmente fora do estado de São Paulo.
Minutos mais tarde, já no ônibus, o clique: “Caramba, será que ela tinha a chave para destrancar a porta?”. Em seguida, a tranqüilidade: “Ah, mas a porta de casa está com um problema e não fecha sem chave!”. No minuto seguinte: “Não, eu não tenho certeza de que a porta estava realmente trancada antes de eu passar a chave. Será que não estava só entreaberta e eu não percebi?”.
Na falta de uma certeza, você espera chegar no trabalho, localizado a mais de uma hora de distância, para ligar até sua casa. Afinal, bastam um ou dois toques, ela atende e a dúvida se dissipa. É certo que tê-la trancado para fora de casa seria uma tremenda sacanagem, mas pelo menos as vizinhas para as quais ela trabalha podem ajudá-la a chegar em casa.
Talvez ela nem precise voltar com roupa de faxina, vai que tenha alguma muda em outro apartamento. O certo é que o celular dela continuará em cima da mesa descarregando. Mas nem que se Margarida estivesse com ele adiantaria ligar, afinal sempre esqueço de marcar este maldito número no meu aparelho. O número só está disponível na agenda da sala.
Você chega ao trabalho e sua primeira atitude é ligar. Toca, toca, toca e cai na caixa postal. Tudo bem, ela pode ter saído para comprar alguma verdura. Dez minutos mais tarde: toca, toca, toca e cai na caixa postal. Bom, ela pode ainda não ter voltado. Mais cinco minutos: toca, toca, toca e cai na caixa postal. Mas será o Benedito? O sacolão é do lado de casa.
A esta altura do campeonato, a reza começa a ser para não chover como no dia anterior, o que significaria casa encharcada, visto que as janelas ficaram abertas. Será que ela ficou com raiva? Bom, você tem a consciência tranqüila que foi sem querer. Nossa, será que o feijão não estava cozinhando? E você já imagina uma tampa de panela de pressão encravada no teto de sua cozinha, que, claro, está cheirando queimado. Também começa a pensar nas desculpas que vai dar depois.
O tempo passa e você não consegue falar com ela. Fazer o quê? O jeito é rir de sua desgraça. Quem sabe na volta você não encontre na porta de seu apartamento absolutamente encharcado, um capitão do Corpo de Bombeiros, a síndica com cara de poucos amigos, uma multa na mão e uma multidão curiosa?
Mas graças a Deus isso não aconteceu. Nunca senti tanto alívio ao chegar em casa e ver que tudo estava na mais perfeita ordem. Tenho a impressão que um dia ainda vou destruir minha casa sem querer. Ontem, foi quase.