Ao lado de esculhambar a classe média, a diversão preferida das pessoas ultimamente tem sido tomar jornalista para Judas Iscariotes. É só dar uma navegada básica por aí. Até aí, beleza, vivemos em uma democracia e cada um tem o direito de ter a sua opinião. Não sou mimada o suficiente para achar que todo mundo precisa me considerar a pessoa mais legal do mundo só porque sou da classe média
E jornalista.
Não quero aqui defender nenhum jornalista (nem vou falar da classe média, porque
o Emanuel já fez isso no blog dele de forma espetacular) e nem acho que o jornalismo hoje em dia seja uma grande maravilha. Pelo contrário, muita coisa tem que mudar. Só quero colocar em pauta um questionamento: até que ponto público e fonte contribuem para o jornalismo ter esse lado ruim?
Vou citar como exemplo o depoimento em que o Nelsinho Piquet confessa à FIA que bateu deliberadamente no GP de Cingapura para baneficiar o Alonso. Ou melhor, suposto depoimento. Isso porque julgamentos com relação à postura do Nelsinho é um item que não falta hoje na Internet, mas ninguém se atentou para um único detalhe: o tal documento (que pode ser visto
aqui) foi publicado por um site bizarro (que eu nunca tinha ouvido falar até esta quinta), não é assinado por nenhum repórter e, na boa, não seria nada difícil de ter sido escrito por mim (ou por vc, ou pelo Alonso, ou pelo seu vizinho, ou pelo Papa...), impresso e depois assinado com um NP ao lado de cada folha e um NPiquet no final. Quem me garante que a assinatura do Nelsinho é assim?
Foi justamente pensando nisso que eu, como setorista de
Motor na Gazeta Esportiva.Net, optei por não abrir nota falando sobre este documento. Alguém pode falar (como falaram): "Ué, mas é só dar crédito para os caras e foda-se". É um argumento fraco, visto que uma coisa é dar crédito para uma Autosport ou um Reginaldo Leme, veículos/jornalistas sérios, e outra bem diferente é citar que um site X soltou um documento (sem nenhum timbre da FIA ou algo que prove a sua veracidade) que condena o Piquet.
(Precipitadamente na fogueira?)
Ora, se for assim, posso me lamentar porque deixei passar uma grande chance de ter pregado uma pegadinha mundial escrevendo um documento do tipo aqui no Nossa, Canossa!. E olha que eu ainda acho que teria um pouco mais de credibilidade, já que muitos aqui sabem que eu realmente trabalho com automobilismo e tenho algumas fontes por aí. E o F1SA? Alguém conhece os jornalistas que trabalham lá?
Outra coisa: será que o Nelsinho é tão burro a ponto de ter divulgado propositalmente que participou dessa armação, mesmo correndo enorme risco de se queimar com público e as pessoas que trabalham na F-1 (como, de fato, está se queimando)? Mesmo que seja, eu sinceramente acho que o Nelsão não seria estúpido a este ponto. Há duas possibilidades então: ou tem mais coisa nessa história ou esse depoimento não é verdadeiro (não na forma como ele foi divulgado hoje).
O que o manual do bom jornalista recomenda neste caso: tente confirmar que este documento é real. E é aí que eu volto ao começo do post, quando defendo que público e fonte também têm responsabilidade nas merdas do jornalismo. Tentei o dia inteiro ver se isso era verdade: assessoria da FIA, assessoria do Nelsinho, o próprio Nelsinho e... nada. Ninguém me respondeu.
Mantive a postura de não publicar a notícia porque os principais sites internacionais (Autosport, iTv, BBC...) também não deram nada, mas se o Nelsinho não desmente a informação, apesar da insistência de alguns em checar, não terá o direito de acusar ninguém de estar ferrando com o nome dele injustamente, caso amanhã descubra-se que o F1SA fez uma pegadinha. O Nelsinho está, na verdade, é contribuindo para deixar o ambiente mais confuso ainda (seja qual for o seu motivo).
Não vou me colocar aqui como paladina do bom jornalismo, até porque tenho a consciência de que eu mesmo poderia ter embarcado nessa se tivesse acordado um pouco menos ranzinza hoje. Sei também que há uma grande pressão por aí para publicar bombas como esta o mais rápido possível, afinal o público anseia e pressiona por essas coisas. Mas, se amanhã vier um desmentido dos fatos, todo mundo vai deixar de jogar pedras no Nelsinho para sair atrás dos jornalistas com uma tocha de fogo nas mãos... até que apareça(m) outro(s) vilão(ões). E assim caminha a humanidade...